Em minha experiência após aproximadamente uma década desenvolvendo, projetando e dando suporte técnico para as estacas helicoidais na América Latina, o tópico onde mais ocorrem erros de projeto e execução é, sem nenhuma dúvida, a respeito do torque.

Mesmo fabricantes e projetistas das estacas helicoidais falham ao definir, calcular e aplicar corretamente todas as variáveis envolvidas neste tópico da física que é a base da solução de fundações em estacas helicoidais.

É através do torque que ponderamos a carga resistente, a capacidade de carga de cada uma das tipologias de estacas possíveis e existentes, além de ser muito pouco abordado nos cursos de engenharia e também pelas normas técnicas brasileiras, lembrando que esta mesma grandeza física é utilizada por exemplo na indústria automotiva para os eixos de veículos, ou pela indústria mecânica para o dimensionamento de turbinas.

É por este motivo que acho importante, neste segundo artigo, que fosse abordada a base de tantos problemas dos quais sou testemunha quando falamos deste tipo de fundação.

Como já é de conhecimento, a instalação das estacas helicoidais é feita com um equipamento capaz de gerar força suficiente para um redutor hidráulico (normalmente é utilizada uma retroescavadeira). Este equipamento transforma a força da máquina em torque e este sim é transmitido para a estaca helicoidal. Este modelo fica melhor ilustrado conforme a imagem abaixo:

Figura 1. Equipamento para instalação de estaca helicoidal

Para que a fundação seja viável, o projeto de fundação deve contemplar o torque de instalação ou torque mínimo (que como também já sabemos faz uma correlação direta com a capacidade de carga através de um fator ponderador variável de acordo com a tipologia do solo e o modelo da estaca). Além deste valor, o fabricante deve informar no seu manual/catálogo, qual o torque máximo suportado pelo seu produto (variando de acordo com o tipo e resistência do eixo adotado).

Essas informações são vitais para que a equipe executora faça uma fundação capaz de suportar a estrutura e portanto durante esta instalação utiliza-se um torquímetro (imagem abaixo). Este equipamento é capaz de medir o torque aplicado à estaca a medida que a instalação vai sendo executada e este parâmetro é utilizado no registro da execução de acordo com os procedimentos que são entregues pelos projetistas.

Figura 2. Equipamento para leitura do torque durante instalação

É muito importante salientar que por ser um instrumento de medição vital para o sucesso da instalação, este equipamento deve possuir capacidade proporcional à aplicação e deve ser calibrado anualmente (ou em períodos mais curtos de tempo) com cargas proporcionais a sua capacidade. Estas informações devem constar obrigatoriamente dos procedimentos enviados pelos projetistas.

Bom, agora que já sabemos para que serve o torque e de onde ele aparece até a instalação da estaca, é importante colocar que a norma técnica brasileira não possui em nenhum de seus capítulos restrições ou instruções para o cálculo de torque quando este é aplicado axialmente. A ABNT NBR 8800:2008 descreve na seção 5.5.2.1 a formulação para as seções tubulares submetidas a torção, no entanto na seção 5.4.1.1 consta que este dimensionamento somente é aplicável às barras prismáticas submetidas a momento fletor e força cortante.

Como o esforço ao qual as estacas helicoidais estão submetidas é uma torção axial e portanto não gera nem flexão e nem forças cortantes, esta norma não atende ao cálculo específico para esta aplicação. Também, a formulação apresentada não corresponde aos tubos de parede fina que são os utilizados na fabricação do produto.

Fabricantes nacionais e internacionais recorrem a mecânica e a resistência dos materiais através de literatura amplamente reconhecida e que são as bases para toda e qualquer normativa para cálculos de engenharia.

Portanto, para o cálculo mecânico das estacas helicoidais utilizamos as fórmulas apresentadas na literatura de resistência dos materiais (conforme bibliografia aqui apresentada). O exemplo de cálculo demonstrado aqui para as estacas helicoidais possui geometria: diâmetro de 114,3mm e espessura da parede de 8,56mm (schedule 80).

Figura 3. Representação de modelo cálculo das estacas helicoidais

Para este cálculo estão consideradas as características mecânicas mínimas dos tubos de aço caracterizados pela ASTM e ABNT, produzidos pela Apolo Tubulars (modelo APOL400).

A tabela demonstra o torque máximo suportado pelo tubo quando submetido ao torque. A este valor é aplicado um coeficiente de segurança igual ou superior a 1,5.

Este cálculo nos informa qual o torque máximo suportado por uma estaca helicoidal cuja haste possui a geometria acima descrita. Todos os demais componentes (soldas e parafusos) devem ser dimensionados levando-se em conta os esforços acima descritos.

Além do cálculo acima exposto os fabricantes devem submeter suas peças à uma análise chamada de critério de falhas, onde os valores obtidos nos cálculos serão aferidos.

Entretanto é de extrema importância que os fabricantes adotem ensaios de torção da estaca helicoidal como um ensaio de tipo para cada um dos modelos de estaca. Estes ensaios determinam como a estaca e sua conexão sem comportam quando levados ao torque máximo calculado e quais os pontos frágeis que estão envolvidos.

Desta maneira deixo aqui minha recomendação para os que compram este tipo de material: sempre escolham fornecedores reconhecidos e que possam certificar a produção das estacas e projetos de engenheiros capacitados para o cálculo destas aplicações.

Referências Bibliográficas:

1- HIBBELER, R.C. Mecânica dos Materiais. [S. l.]: Pearson, 2018.

2- PUC-RIO. Torção. Disponível em: <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/10658/10658_4.PDF>. Acesso em: 20 maio 2019.

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