• Introdução

Obras de infraestrutura, especialmente as de grande escala e complexidade, podem ser consideradas como grandes combinações de engenharia, geologia e geotecnia. Um exemplo notável desse tipo de obra é a construção de linhas de transmissão de energia que não apenas demandam uma análise minuciosa das condições do solo e da geologia local, mas também exigem soluções de fundação precisas para garantir a estabilidade e o desempenho duradouro das estruturas. A sondagem, nesse contexto, emerge como uma ferramenta essencial, indo além de um simples custo adicional e tornando-se um investimento fundamental para o sucesso da empreitada.

A combinação entre essas disciplinas é inerente às obras de infraestrutura complexas: a engenharia traceja os princípios de construção, a geologia fornece insights sobre as camadas de solo e a formação geológica, enquanto a geotecnia explora as propriedades mecânicas e as características físicas do solo. As linhas de transmissão de energia, embora tecnologicamente avançadas, estão enraizadas no solo, portanto, compreender as propriedades geotécnicas do terreno é primordial para a segurança, estabilidade e longevidade das estruturas.

Normalmente, as condições geológicas exibem claras variações de um local para outro, manifestando-se através de formações rochosas robustas, solos propensos a colapsos, camadas de água subterrânea ou mesmo zonas de fratura. Cada um desses elementos exerce influência direta na seleção da solução de fundação mais apropriada, tais como estaca helicoidal, estaca escavada, microestaca, tubulão, sapata, haste de ancoragem, bloco de concreto, grelha metálica e outros métodos fundamentais no estabelecimento de bases sólidas e seguras para as estruturas.

É crucial compreender que o investimento realizado na sondagem não apenas fornece informações geotécnicas detalhadas, mas também tem o potencial de se tornar uma economia significativa a longo prazo já que contribui para a escolha do melhor tipo de fundação. Ao adotar parâmetros de dimensionamento das fundações com base em dados precisos e assertivos obtidos pela sondagem, as chances de superdimensionamento ou subdimensionamento são minimizadas. Como resultado, os custos associados ao projeto de fundações podem ser reduzidos substancialmente, permitindo a recuperação do investimento inicial. Em essência, a sondagem não apenas mitiga riscos, mas também se traduz em eficiência econômica ao proporcionar uma base sólida para o dimensionamento das estruturas.

  • Sondagem: Investimento Estratégico

A sondagem envolve um conjunto de técnicas que têm como objetivo investigar as características do solo e da rocha presentes no local de implantação da linha de transmissão. Através da coleta de amostras, ensaios in situ e análises laboratoriais, obtém-se dados precisos sobre parâmetros como resistência, compressibilidade, permeabilidade, presença de água subterrânea, estratigrafia geológica e outras informações essenciais.

Tradicionalmente, em projetos de Linha de Transmissão de Energia, é costume realizar sondagens em intervalos médios de 1km ao longo da extensão da linha, o que pode representar em alguns casos, a depender do traçado, em espaçamento médio de até 2 torres entre cada local de sondagem. No entanto, a situação pode se tornar ainda mais preocupante, uma vez que em certos casos a quantidade de sondagens realizadas representa menos que 50% do número total de torres ao longo da linha, resultando desse modo em condições de solo incompatíveis com as fundações projetadas, e por consequência um risco de ter que substituir a fundação antes planejada, em atrasos no cronograma e aumento nos custos.

Embora possa ser concebida como um custo adicional na etapa inicial do projeto, é fundamental compreender que essa prática vai além do papel de mero gasto, transformando-se em um investimento estratégico que repercute em economia a longo prazo. Ao proporcionar uma base de dados geotécnicos robusta e confiável, a sondagem contribui de maneira imponente na realização de análises de risco mais precisas, identificando potenciais problemas antes que se manifestem, otimizando o projeto das fundações e evitando retrabalhos dispendiosos durante a construção.

Portanto, pode-se dizer que a sondagem é o caminho de entrada para o entendimento do terreno em sua totalidade. Através da coleta e análise de amostras, testes de permeabilidade e resistência, adquire-se informações detalhadas sobre as características geotécnicas, permitindo a avaliação precisa dos riscos e desafios. Esse investimento inicial, que pode ser entendido como custo adicional, é fundamental para a mitigação de potenciais problemas, como afundamentos, instabilidades ou até colapsos estruturais durante a vida útil da linha de transmissão.

  • Tipos de sondagem

Em obras de transmissão de energia, diferentes tipos de sondagem geotécnica podem ser realizados para obter informações precisas sobre as características do solo, da rocha e das condições geotécnicas do local. Essas informações são essenciais para o projeto e a construção das fundações adequadas, garantindo a estabilidade e a durabilidade das estruturas.

É importante mencionar que a escolha do tipo de sondagem deve levar em consideração a natureza específica do terreno, os requisitos de engenharia da estrutura e as informações desejadas para tomada de decisões. Em muitos casos, uma combinação de diferentes métodos de sondagem pode ser empregada para obter uma compreensão mais abrangente e precisa do local de construção da linha de transmissão de energia.

Sondagem à Percussão (SPT – Standard Penetration Test): emerge como um dos tipos de sondagem mais utilizado em obras de linha de transmissão de energia devido a sua padronização no mercado e à sua relação custo-eficácia. Nesse método, um trado oco é cravado no solo por meio de golpes de um martelo. A cada metro de profundidade, a quantidade de golpes necessários para penetrar um determinado comprimento é registrada. O SPT fornece informações sobre a resistência do solo, a compactação e a natureza das camadas.

Imagem 1 – Boletim de sondagem do tipo SPT

Sondagem Rotativa: nesse método, uma broca é usada para perfurar o solo ou a rocha, enquanto uma coroa de amostragem recupera amostras contínuas. Além de fornecer amostras para análise laboratorial, a sondagem rotativa permite a identificação de camadas geológicas e a obtenção de informações sobre a estrutura da rocha.

Ensaio de Cone (CPT – Cone Penetration Test): o ensaio de cone envolve a inserção de um cone afiado no solo em uma taxa constante. Medidas de resistência, atrito lateral e pressão da água são registradas continuamente à medida que o cone penetra no solo. Esse método é eficaz para determinar a resistência do solo, a presença de camadas de areia ou argila e a permeabilidade.

Sondagem de Poço de Inspeção: essa sondagem envolve a escavação manual ou mecânica de poços de inspeção. Amostras de solo e rocha podem ser obtidas diretamente do poço para análise. Essa técnica é particularmente útil para investigações detalhadas e para identificar estruturas ou camadas específicas.

Sondagem com Amostragem a Trado: nesse método, um trado manual ou mecânico é usado para perfurar o solo, e amostras são retiradas à medida que o trado é retirado. É uma técnica simples e econômica para obter amostras de solos moles e argilosos.

Ensaios de Permeabilidade: esses ensaios medem a capacidade do solo de permitir o fluxo de água. Diversos métodos, como o ensaio de permeabilidade em célula triaxial ou o permeâmetro de carga constante, são utilizados para avaliar a permeabilidade do solo.

  • Dimensionamento de fundações e Soluções Convencionais

No contexto das obras de linhas de transmissão de energia e, de fato, em qualquer outro tipo de projeto, a sondagem desempenha papel essencial no dimensionamento seguro da fundação.

Os dados obtidos por meio da sondagem permitem uma análise minuciosa das características, que incluem parâmetros como peso específico do solo, ângulo de atrito e coesão, e com isso determinar o tipo de fundação mais adequado, considerando a carga da estrutura, as características do solo e os aspectos ambientais.

Devido à existência de uma série de fundações ao longo de grandes extensões, é comum definir convencionalmente quatro a cinco tipos de solos (tipificação padrão) em uma Linha de Transmissão (LT), a fim de abranger a totalidade dos solos atravessados. Como resultado, projetos padronizados são definidos com base nos tipos de torres correspondentes. (AZEVEDO, 2009)

Dentre as soluções convencionais de fundação amplamente utilizadas nesse cenário, destacam-se:

Estaca Helicoidal: tipo de fundação profunda instalada em solo através de torque, constituída por haste metálica, tubular ou maciça, com múltiplos helicoides soldados que são responsáveis por absorver os esforços aplicados na estrutura e transmiti-los ao solo.

Microestaca: estacas moldadas in loco, armada, executada por perfuração rotativa ou rotopercussiva e injetada com calda de cimento.

Tubulão: envolve a escavação de um furo profundo no solo, que é posteriormente preenchido com concreto. É uma opção aplicável a solos variáveis e possibilita cargas significativas devido à grande área de base.

Sapata: elementos de fundação de concreto que distribuem a carga da estrutura em uma área maior do solo. São frequentemente utilizadas em solos homogêneos e de boa resistência.

Haste de Ancoragem: elemento estrutural responsável por absorver os esforços oriundos da estrutura e transmiti-lo para a fundação garantindo estabilidade e segurança.

  • Cenário atual

O ambiente de licitações no setor de infraestrutura, especialmente no que tange linhas de transmissão de energia, está passando por uma nova era onde empresas estão adotando abordagens mais seguras para se antecipar aos desafios geotécnicos e minimizar os riscos na fase de construção. Uma mudança notável é a crescente tendência das empresas de realizar sondagem nos trechos definidos das linhas de transmissão, mesmo antes do início oficial da concorrência. Essa abordagem estratégica tem proporcionado uma vantagem competitiva significativa em relação aos concorrentes, permitindo um embasamento mais preciso na estimativa de custos de fundação e uma maior confiabilidade na tomada de decisões durante os processos de licitação da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica.

Tradicionalmente, as empresas competiam em licitações baseando-se em estimativas e dados gerais para preparar suas propostas. No entanto, a complexidade das linhas de transmissão, onde o solo e as condições geotécnicas são fatores críticos, tornava difícil prever com precisão os custos de fundação e os riscos associados. Essa incerteza muitas vezes resultava em propostas imprecisas e em custos de construção subestimados, o que poderia levar a atrasos e aumento de custos no decorrer do projeto.

A mudança ocorreu quando algumas empresas decidiram se antecipar ao “jogo”. Em vez de aguardar o fim da concorrência e o resultado da proponente vencedora, começaram a investir na realização de sondagens nos trechos específicos onde a linha de transmissão seria construída. Tal “investimento” tem trazido uma série de benefícios, permitindo uma compreensão profunda das características do solo, da geologia e dos parâmetros geotécnicos exclusivos de cada trecho.

Ao realizar a sondagem geotécnica pré-concorrência, as empresas adquirem uma prerrogativa competitiva, das quais elenca-se:

Precisão na estimativa de custos: com dados geotécnicos reais em mãos, as empresas podem estimar com maior precisão os custos relacionados às fundações. Isso reduz o risco de subestimação e evita desvios significativos no orçamento após o início da construção.

Tomada de decisões informadas: as empresas que possuem informações detalhadas sobre as condições do solo podem tomar decisões mais informadas durante a fase de licitação. Isso inclui a escolha de soluções de fundação mais adequadas e a elaboração de propostas mais sólidas.

Mitigação de riscos: a sondagem prévia ajuda a identificar e compreender os riscos geotécnicos específicos de cada trecho. Isso possibilita a elaboração de estratégias de mitigação de riscos mais eficazes, minimizando surpresas indesejadas durante a construção.

Melhor posicionamento competitivo: empresas que apresentam propostas embasadas em dados geotécnicos detalhados tendem a ganhar a confiança dos órgãos licitantes e dos investidores, proporcionando um diferencial competitivo.

A abordagem de realizar sondagem antecipada está remodelando a maneira como as empresas competem e de certa maneira trazendo mais segurança nas licitações. Aqueles que investem nessa estratégia estão se destacando, não apenas por sua preparação meticulosa, mas também por sua capacidade de oferecer estimativas de custos realistas e pela confiabilidade que trazem para a execução dos projetos. À medida que essa prática se solidifica, é provável que testemunhemos um cenário de licitações mais eficiente, com empresas melhor preparadas para enfrentar os desafios e entregar resultados mais precisos e confiáveis nas obras.

Contudo, a ausência de uma normativa regulamentando a obrigatoriedade de sondagens em todos os pontos de instalação de fundações para obras de linhas de transmissão de energia não é apenas um reflexo da complexidade geotécnica envolvida, mas também da natureza adaptativa da engenharia. Cada local de instalação pode apresentar características únicas de solo, rocha e topografia, o que torna impraticável uma abordagem padronizada de sondagem em todos os pontos.

Geralmente as linhas de transmissão atravessam diferentes tipos de terreno, desde áreas montanhosas até planícies e zonas costeiras, cada uma com seus desafios geotécnicos específicos. Implementar sondagens em todos os pontos possíveis seria, sem dúvida, a melhor condição a ser adotada, uma vez que traria à tona todas as adversidades geotécnicas a serem encontradas ao longo do projeto. Essa abordagem ofereceria um nível máximo de detalhes sobre as características do solo, as variações de resistência, as possíveis ocorrências de água subterrânea e as formações rochosas, permitindo a formulação de soluções de fundação mais precisas e adaptáveis.

No entanto, é importante reconhecer que a realidade prática muitas vezes coloca limitações de tempo, orçamento e logística. A variedade geológica ao longo do percurso da linha de transmissão é vasta e heterogênea, o que torna inviável uma abordagem de sondagem abrangente em todos os pontos. A estratégia de sondagem em pontos estratégicos, apesar de não abranger todas as nuances do subsolo, proporciona uma compreensão representativa das condições geotécnicas, possibilitando enfrentar os desafios de forma eficaz e eficiente.

  • Referências bibliográficas

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas – Solo – Sondagem de simples reconhecimento com SPT – Método de ensaio – NBR 8464, 2020.

Azevedo, Crysthian Purcino Bernardes. Fundações para linhas de transmissão: dimensionamento e execução. Belo Horizonte, 2009, 412 p.

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