Artigo publico no SEFE 10 (dezembro de 2023)

RESUMO: Os projetos de cortinas atirantadas que utilizam tirantes de cordoalhas exigem uma atenção especial nas especificações das cargas e definições de montagem, isso se deve a complexidade da interação entre os componentes da cabeça que são responsáveis pela cravação. A cabeça do tirante de cordoalha é composta por placa de ancoragem, bloco e clavete, estes itens trabalham como um sistema fechado e dependem de uma faixa restrita de carga para que sua performance seja efetiva. As especificações de cargas abaixo do mínimo indicado que é de 50% da carga limite de ruptura da cordoalha, resulta em um baixo deslocamento e reduz a capacidade elástica da cordoalha, com isso, a cravação do clavete é falha. Alguns acompanhamentos de obras mostraram o quanto é comum a aplicação de cargas abaixos do mínimo indicado e o impacto na eficiência dos tirantes.

PALAVRAS-CHAVE: Tirantes, Cordoalhas, Engenharia, Construção Civil.

1. Introdução

Ao longo de toda a história humana, a natureza sempre inspirou a humanidade resultando em inúmeros avanços e evolução da nossa raça. Com métodos de observação, conseguimos analisar o céu, o mar, a gravidade e usando esse método, observando uma árvore, o homem se inspirou mais uma vez e assim se começou os estudos sobre “Ancoragem”.

Observando uma árvore, notou-se que ela era capaz de suportar ventos, terremotos, chuvas, esforços em sentidos verticais e horizontais, tudo isso, devido as suas raízes que estão ancoradas no terreno. Quanto maior a árvore, maior sua raiz e existe uma relação com a quantidade de elementos de um tirante e sua carga.

Os tirantes na construção civil, em sua maioria, são formados por barras e cordoalhas. Conforme a norma NBR 5629 – Tirantes ancorados no terreno – Projeto e execução, a definição de um tirante é a de um dispositivo capaz de transmitir esforços de tração entre as suas extremidades. Para transmitir esses esforços, se faz necessário alguns dispositivos e acessórios que fazem a cravação do tirante, como, por exemplo, porcas para as barras e clavetes para cordoalhas.
O assunto fica criterioso com clavetes e seus acessórios, uma vez que são materiais delicados e de alto risco e seu desempenho cai quando usado de forma equivocada, forma essa que não está apenas sujeita a erro de aplicação e sim em dimensionamento de cargas via projeto.

É indispensável a busca constante pela qualidade dos insumos (cordoalhas, blocos e clavetes) junto à usina e aos distribuidores dos mesmos. Um dos aspectos importantes se dá no acompanhamento no processo fabril que pode acontecer por meio de processos internos bem controlados como, por exemplo: análise dimensional, análise visual, ensaios mecânicos periódicos dos materiais e serviços terceirizados, resultando assim na eficiência do material e por consequência, de todo o sistema de ancoragem.

2. Estudo de caso

O caso se deu em uma obra residencial no estado de São Paulo, no ano de 2023, onde se utilizaram tirantes provisórios para sustentar a frente de escavação. Algumas semanas após a etapa de protensão e o avanço das linhas, observou-se que os clavetes apresentavam sinais de desprendimento. Isso representa uma falha que não é aceitável dado o papel crucial desempenhado por esse componente.
Conforme verificação do projeto, as cargas de trabalho e incorporação estavam estabelecidas em:

  • Tirantes 04 cabos = 25 tf
  • Tirantes 06 cabos = 40 tf
  • Tirantes 08 cabos = 60 tf
  • Tirantes 10 cabos = 80 tf

Afim de contribuir na análise do ocorrido foi utilizado um drone para auxiliar na visualização dos tirantes, uma vez que a obra já estava relativamente avançada e muitos deles se encontravam com difícil acesso, colocando em risco a integridade da estrutura.

Figura 1. Etapa do ocorrido.

Durante análise foi observado que ao menos 10 tirantes, sendo cinco da primeira e cinco da segunda linha, que já haviam sido escavadas meses antes estavam com os clavetes aparentemente soltos.

Figura 2. Tirante com ocorrência de clavete solto.

A próxima etapa foi de acompanhamento no local da obra para verificação da execução no ato de protensão, afim de garantir que o processo de execução estivesse conforme e por consequência permitindo o bom desempenho do material. A execução não demonstrou qualquer tipo de erro ou irregularidade na utilização dos equipamentos hidráulicos para protensão (bomba, cilindro e manômetro), nem mesmo mal-uso no posicionamento dos acessórios (pé de cravação e cabeçote de cravação).

Figura 3. Acompanhamento para validação de carga.

Observado ainda, que os equipamentos estavam devidamente aferidos permitindo assim leituras corretas e por consequente a conversão precisa da pressão do sistema para sua carga aplicada.

Posteriormente foi necessário então verificar o comportamento dos clavetes e para isso adotou-se a estratégia de realizar ensaios mecânicos que por sua vez foi realizado fora do local da obra e que verificou o dimensional do material (análise de perfil), estado de dureza e simulação de sua real aplicação.

3. Tirantes de cordoalhas

Em um mercado altamente competitivo, os tirantes compostos por cordoalhas têm se destacado devido à sua relação custo-benefício e facilidade de manuseio no canteiro de obras, graças à sua flexibilidade.
Devido à sua notável resistência, muitos projetistas têm optado pelo uso de cordoalhas na construção de tirantes. Em geral, as cordoalhas sempre foram bem aceitas para tirantes temporários, entretanto, a adoção de cordoalhas como elemento principal em tirantes permanentes tem crescido, em grande parte devido ao seu preço competitivo.

Embora esse método pareça vantajosa à primeira vista, na prática, observa-se que os tirantes de cordoalha têm uma propensão maior à oxidação e ao desgaste em comparação aos tirantes de barras, tornando-se preocupante quando se trata de tirantes permanentes.

Atualmente, as cordoalhas estão disponíveis principalmente nos diâmetros de 12.7mm e 15.2mm, apresentando respectivas cargas de ruptura de 18tf e 26tf por cabo para esses diâmetros.

Figura 4. Catálogo Usina Arcelor Mittal

Tais tirantes demandam cuidados especiais no que se refere à proteção, conforme estabelecido pela NBR 5629 – Tirantes ancorados no terreno – Projeto e execução. Em sua maioria, os tirantes permanentes recebem uma camada de proteção superficial, podendo ser uma pintura epóxi ou até mesmo camada de galvanização, como alternativa contra a oxidação.

No caso das cordoalhas, o processo de pintura requer cuidados especiais uma vez que essa pintura nem sempre consegue atingir o fio central gerando desse modo oxidação ao longo de sua vida útil. Como solução a isto, é importante que os fornecedores de pintura tenham sempre especificações e métodos validos para este processo.

Figura 5. Cordoalha com sinais de pintura ineficientes

4. Princípios do sistema de cravação

Um tirante constituído por cordoalhas deve assegurar a precisão de seus elementos, como a dimensão do clavete e a angulação dos furos cônicos no bloco, permitindo desse modo alcançar o desempenho ideal.

Figura 6. Demonstrativo alojamento do clavete.

O posicionamento incorreto do clavete pode resultar em danos à cordoalha, quando o contato da cunha do clavete acontece em um momento inesperado, levando ao desgaste prematuro dos primeiros dentes do mesmo. Como resultado, o processo de cravação sofre um atraso.

Uma situação adicional que pode afetar ou danificar o componente sob tração ocorre quando o pé de cravação possui dimensões diferentes das especificadas na fabricação. Um pé de cravação com um rebaixo menor faz com que o clavete fique excessivamente mais justo, o que resulta no estrangulamento da cordoalha e consequente dano. Por outro lado, se o rebaixo do pé de cravação for maior do que o necessário, o sistema perderá carga devido ao excesso de movimentação do clavete até o momento de cravação.

Figura 7. Demonstrativo rebaixo do pé de cravação.

O rebaixo preciso no pé restringe o movimento equivocado do clavete, permitindo que este abra suas cunhas de forma correta e possibilitando que a cordoalha avance pelos dentes do clavete sem causar danos a ambos.

Um rebaixo muito maior do que o projetado implica em uma perda de carga no ato da incorporação do tirante por conta da movimentação extra do clavete, uma vez que essa perda não está prevista no desenvolvimento do projeto executivo.

Se esse erro estiver presente em grande parte ou em todos os tirantes, o resultado é uma parede com carga abaixo do projetado, apresentando riscos a obra e a segurança de todos envolvidos.

Todo projeto possui coeficientes de segurança para minimizar incertezas e garantir maior segurança da obra, contudo, precisam ser bem entendidos junto a aplicação. Normalmente, os projetistas adotam coeficientes de acordo com normas vigentes e assim determinam a carga de incorporação e de trabalho do tirante.

A carga mínima de assentamento da cunha do clavete ajuda a garantir que a cordoalha não escorregue pelos “dentes” do clavete durante a vida útil, especialmente se a carga do tirante aumentar acima da carga de travamento.

Figura 8. Avaliação de tensão.

As cargas de travamento (C) do sistema são resultantes da Força (F) aplicada no tirante. É necessária uma carga mínima para que a cunha do clavete consiga segurar de forma eficiente o cabo da cordoalha. (AALAMI,1993)

Uma carga de menos que 50% em relação a ruptura do cabo, faz com que o clavete fique relativamente solto e não crave na cordoalha.

5. Cuidados e alertas

A fim de garantir a devida performance do sistema de ancoragem em um respectivo projeto de protensão, alguns cuidados se fazem necessários.

a) Reutilização dos materiais

  • Clavete: Após sua utilização, por conta de seu processo de aplicação, sofre deformação, resultando assim em perda de desempenho mecânico. Por ser um item crítico e o principal componente de travamento da ancoragem, jamais devem ser reutilizados.
  • Bloco: Após uma inspeção minuciosa, onde é possível verificar o desgaste e a deformação, sua reutilização varia de acordo com o fabricante, pois o processo de retifica do bloco, por ser complexo, não é viável financeiramente.
  • Placa: As placas podem ser reutilizadas, após também uma inspeção garantindo que não estejam deformadas e após aceite do projetista para garantir que atendem o novo projeto.

b) Utilização de acessórios de diferentes fabricantes

Cada fabricante adota critérios diferentes no dimensionamento mecânico de seus produtos, embora que visualmente possam apresentar semelhanças. Nesse contexto, é importante assegurar que a utilização de acessórios de diferentes fabricantes não ocorra na obra, principalmente os clavetes, blocos e pé de cravação, resultando em perda de capacidade do sistema de ancoragem e por consequente colocando em risco a integridade da estrutura a ser protendida.

Como alternativa para mitigar essa possibilidade, é recomendável que em todos os projetos, sem exceção, todos os materiais sejam adquiridos de uma única empresa, que por sua vez, deve obrigatoriamente possuir a devida qualificação.

6. Resultados

Utilizando uma bancada de testes que simula um tirante e posicionando todos os acessórios conforme o princípio de cravação de ancoragem de cordoalhas, se utilizou um conjunto hidráulico devidamente aferido e clavetes do mesmo lote para otimizar a simulação.

Figura 9. Testes de cravação em bancada de testes

Foi aplicada uma carga de 40tf, distribuída entre os quatro cabos de cordoalha, totalizando 10tf para cada cabo. O objetivo era verificar a eficácia da cravação e analisar se estavam devidamente assentados e com o desempenho esperado, mitigando possíveis falhas na fabricação do material.

Figura 10. Montagem com 4 cabos.

Por meio de um sistema de marcação por cabo, que oferece uma verificação visual para assegurar que as cordoalhas estão corretamente alinhadas durante a cravação, foi possível alcançar o assentamento sem desalinhamentos e sem sinais de danos aos materiais. Isso garantiu a aprovação do clavete e sua operação conforme o previsto.

Após aplicação da carga, o sistema ficou em repouso por 16 horas para que fosse possível identificar qualquer deslocamento nos cabos através das cunhas do clavete.

Em seguida, os testes foram repetidos com oito clavetes, formando dois conjuntos de ensaio, e todos suportaram uma carga de pelo menos 10tf por cabo, demonstrando-se aprovados. Todos os acessórios operaram corretamente, mantendo a carga incorporada e evitando o deslocamento das cordoalhas entre as cunhas dos clavetes.

Figura 11. Clavetes selecionados para teste.

7. Conclusão

O princípio mecânico de funcionamento do clavete requer uma interação coordenada do sistema e depende de condições mínimas de esforços atuantes. Isso inclui diretamente a carga aplicada durante a incorporação do tirante.

Se a carga estiver abaixo do indicado conforme as considerações mencionadas, pode resultar em uma cravação menos eficiente, levando à possibilidade de desprendimento ou perda de carga do sistema.

Além do mínimo de carga necessário para a ativação do sistema, é crucial ter em mente que, devido ao rebaixo no pé de cravação, essa carga também está sujeita a ser reduzida, uma vez que existe uma distância que o clavete precisa percorrer até se fixar no bloco. Portanto, é essencial que todos os acessórios sejam compreendidos de forma adequada pelo executor e que o projeto do conjunto, incluindo bloco, clavete e pé de cravação, seja eficaz e de um mesmo fabricante.

O estudo de caso apresentado descreve uma incorporação de 25 tf, o que equivale a 6,25 tf por cabo, resultando uma carga 50% inferior do mínimo recomendado para a cravação do cabo na cordoalha.

Com base no estudo fornecido, cabe ao projetista avaliar essa situação, pois na intenção de reforçar o coeficiente de segurança do sistema ao distribuir a carga entre mais cabos gerou um desempenho indesejado do clavete no bloco. Portanto, é essencial que o projetista avalie cuidadosamente o impacto de tais modificações no projeto.

Nesse contexto, pode-se fazer um paralelo entre a analogia da árvore e o caso de obra exposto neste artigo. A carga de incorporação foi inferior à necessária para ativar o sistema de cravação, representando um conceito diferente de uma árvore grande que normalmente possui raízes igualmente grandes.

Após analisar os resultados obtidos nos ensaios, o projetista adotou novos parâmetros que possibilitaram o aumento da carga por cabo, alcançando assim o mínimo necessário para um desempenho satisfatório do clavete. Isso implicou em uma nova carga de incorporação, respeitando ao menos 50% da carga de ruptura do cabo de cordoalha.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Associação Brasileira de Normas Técnicas (2018). NBR 5629. Tirantes ancorados no terreno – Projeto e execução.

Dr. Bijan O. Aalami (1993) Post-Tensioning Institute. Wedge Forces on Post-Tensioning Strand Anchors

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